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Ao longo deste guia, utilizamos o termo “interação” de modo a compreender uma ampla variedade de atividades diversas. Nesta seção, procuramos detalhar as diferentes formas pelas quais isso pode ocorrer.

 

O Comitê contra a Tortura e outros órgãos de tratados da ONU

O compartilhamento de informações, na forma de relatórios e declarações e por meio de reuniões presenciais, é uma das principais formas pelas quais os MNPs podem interagir com órgãos internacionais e regionais.

Para muitos MNPs, o Comitê da ONU contra a Tortura (CCT) é um interlocutor fundamental para essa finalidade. As informações prestadas pelos MNPs são consideradas pelo CAT a cada etapa do ciclo de relatórios.

Assim como outros órgãos de tratados, as recomendações do CCT podem envolver questões substanciais relacionadas a tortura e maus tratos, mas – o que é particularmente importante para os MNPs – podem também relacionar-se ao próprio MNP. Ao fornecer informações corretas ao CCT, os MNPs podem, assim, utilizá-las como uma ferramenta poderosa para lutar por sua maior independência, por mais recursos ou por mudanças com relação a questões específicas ou temáticas relacionadas à detenção.

Em primeiro lugar, os MNPs podem submeter informações por escrito ao Comitê, ao preparar a sua Lista de Questões (LOI, da sigla em inglês) e sua Lista de Questões Prévia à Apresentação do Relatório (LOIPR, da sigla em inglês) – os dois documentos que formam a base do relatório do Estado-Parte e seu subsequente exame pelo Comitê. Ao submeter informações para a LOI e a LOIPR, os MNPs têm a oportunidade de exercer influência sobre o foco e as áreas prioritárias a serem consideradas pelo Comitê.

Em segundo lugar, os MNPs podem submeter informações por escrito ao Comitê para fins de análise do relatório do Estado-Parte. Isso costuma ocorrer uma vez que o Estado tenha submetido seu relatório, e é uma oportunidade para que o MNP submeta informações e perguntas adicionais que, em sua opinião, o Comitê deve levar em consideração.

Em terceiro lugar, MNPs que tenham submetido informações por escrito podem participar de briefings de uma hora com o Comitê durante a sessão, a portas fechadas, imediatamente antes das discussões com a delegação do Estado-Parte. Essas reuniões – que, caso seja necessário, contam com interpretação – representam uma oportunidade para que os MNPs se reúnam com os membros do Comitê e discutam de forma sigilosa informações adicionais que eventualmente entendam ser especialmente relevantes.

Em quarto lugar, os MNPs podem estar presentes durante o exame do relatório do Estado-Parte, embora não possam intervir nessas sessões.

Finalmente, o Comitê conta com um procedimento de acompanhamento para preocupações e recomendações feitas nas suas observações finais que sejam particularmente sérias, protetivas e que possam ser atendidas no prazo de um ano. Os MNPs também têm a oportunidade de submeter ao Comitê informações escritas a respeito da implementação dessas recomendações.

Embora os MNPs nem sempre tenham exatamente os mesmos direitos de se reunir com os comitês de outros órgãos de tratados da ONU (em geral, a menos que sejam Instituições Nacionais de Direitos Humanos (INDHs)), geralmente podem contribuir com informações escritas de forma semelhante, em diversos momentos do ciclo de revisão. Quanto ao CCT, as informações escritas prestadas pelos MNPs podem ter influência sobre as questões nas quais cada comitê venha a optar por se concentrar e sobre o conteúdo de seus relatórios. Caso suas recomendações relacionem-se às prioridades do MNP, pode ser útil, também, fazer referência a elas nos relatórios do MNP e apresentar contra-informes (shadow reports) aos comitês com relação ao progresso da respectiva implementação.  

Finalmente, além do ciclo de revisões periódicas, os MNPs podem dar sua contribuição também às minutas de comentários gerais a diferentes artigos, à medida em que sejam elaborados por cada comitê. Pode ser uma oportunidade interessante de contribuírem para o desenvolvimento das leis e normas pertinentes à sua atuação.

 

Revisão Periódica Universal

Os MNPs podem também reforçar sua atuação nacional envolvendo-se com o processo de Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos. O objetivo da RPU é verificar o “cumprimento pelos Estados de suas obrigações e compromissos de direitos humanos assumidos com base nos tratados de direitos humanos e outros instrumentos que tenham ratificado” (Resolução da Assembleia Geral nº 60/251, parágrafo 5º, “e”.). É realizada a cada quatro anos, por meio de um processo no qual todos os Estados submetem-se à revisão por parte do CDH, por intermédio de um grupo de trabalho formado por todos os membros, seguido de discussões e deliberação em plenário. O Grupo de Trabalho da RPU reúne-se três vezes ao ano por duas semanas, avaliando 14 Estados a cada vez.

A RPU envolve cinco passos principais, sendo que os MNPs têm a oportunidade de se envolverem em todas as etapas.

A primeira etapa é documentação. A revisão baseia-se em informações provenientes de três fontes: informações fornecidas pelo Estado, uma compilação elaborada pelo ACNUDH com relatórios da ONU e documentos oficiais e um resumo elaborado pelo ACNUDH contendo “[i]nformações adicionais, verossímeis e confiáveis provenientes de outros stakeholders relevantes” (Resolução CDH nº 5/1, Parte I.D, parágrafo 15.). As informações prestadas por MNPs costumam ser incluídas na última categoria. Os MNPs podem também participar de eventuais processos nacionais de consulta que venham a ser conduzidos com relação à elaboração do relatório do Estado.

A segunda etapa é o chamado “diálogo interativo” do Grupo de Trabalho da RPU. Embora os MNPs não possam apresentar suas considerações durante essa etapa da RPU, se puderem comparecer terão a oportunidade de exercer influência participando de reuniões bilaterais com as delegações dos diferentes Estados, promovendo eventos paralelos e defendendo a inclusão de suas recomendações no relatório da RPU.

A terceira etapa consiste no relatório e recomendações da RPU. O relatório compreende um resumo dos procedimentos, conclusões, recomendações feitas individualmente pelos Estados nos diálogos interativos e compromissos voluntários assumidos pelos Estado submetidos à revisão (Resolução CDH nº 5/1, Parte I.E, parágrafo 26.). Uma vez que muitos Estados têm a intenção ter suas recomendações incluídas no relatório mas não têm conhecimento detalhado e especializado da situação do país, frequentemente contam com assessoria externa ao formular suas recomendações. Os MNPs podem, assim, ser úteis ao fornecer aos Estados informações e sugestões de recomendações de alto nível – que costumam ser incluídas no relatório da RPU.

A quarta etapa é o debate no plenário da CDH e a adoção do relatório. Aos  MNPs que também são INDHs com “status A” é concedida a oportunidade de se pronunciarem, imediatamente após o Estado ter submetido a revisão. Outras instituições também podem intervir ao final da sessão, embora devam repartir seu tempo com ONGs e outras INDHs, de modo que nem sempre lhes será garantido que conseguirão se pronunciar, dependendo do tempo concedido e de quantas instituições tenham solicitado inscrição.

Finalmente, da mesma forma que em muitos outros processos internacionais e regionais, os MNPs podem considerar a fase de acompanhamento da RPU útil para que se promova as mudanças que pretendem implementar nas questões relativas à detenção. Isso pode envolver a publicação das recomendações relacionadas à detenção ou outras prioridades temáticas, medidas de monitoramento tomadas pelo Estado visando a sua implementação e referência às recomendações da RPU em seus próprios relatórios e advocacy ou informes.

 

Procedimentos Especiais

Procedimentos especiais (PEs) são especialistas em direitos humanos independentes nomeados para exercer certos mandatos em nome do Conselho de Direitos Humanos (CDH).  Seus mandatos podem ser temáticos ou específicos para o país, sendo criados e renovados por meio de resoluções do CDH. O modo de atuação dos PEs é variado, mas em geral todos eles conduzem estudos, investigam situações de abuso de direitos relacionadas a seus mandatos, realizam visitas a países, recebem reclamações (e intervêm junto aos  Estados com relação a elas), emitem solicitações urgentes e repassam à CDH (e frequentemente à Assembleia Geral) suas conclusões e recomendações.

Os procedimentos especiais e, em particular, o Relator Especial da ONU sobre Tortura (RET), podem ser úteis para os MNPs de diversas formas, embora mais especificamente no início, durante e após as visitas aos países. É necessário um convite para que PEs visitem um país, mas, uma vez convidados, suas visitas são protegidas por um amplo conjunto de “termos de referência” previamente acordados, que confere a eles amplos poderes para visitar locais, falar com pessoas e conduzir investigações.

As visitas a países conduzidas por PEs podem atrair muita atenção, inclusive da mídia internacional, para uma situação específica, podendo, assim, ser úteis para MNPs que pretendam dar destaque a determinadas situações ou temas que considerem prioritários.

Mais especificamente, MNPs podem ter os seguintes objetivos com relação a visitas a países conduzidas por PEs:

  • encorajar o governo a emitir um convite, em especial ao RET;
  • prestar informações ao detentor do mandato antes, durante e após a visita, inclusive dando orientação a respeito de quais locais visitar e com quem encontrar;
  • prestar informações a ONGs e representantes governamentais pertinentes a respeito da visita;
  • apresentar requerimentos ao PE com relação a conclusões ou recomendações específicas;
  • com base no relatório do país, realizar ações de advocacy com relação às suas principais recomendações;
  • realizar visitas de acompanhamento a quaisquer locais de privação de liberdade visitados pelo PE, inclusive a fim de prevenir represálias; e
  • fazer referência às recomendações do PE em relatórios futuros do MNP.

 

Órgãos Regionais de Monitoramento

Pode também ser útil para os MNPs interagirem com órgãos regionais de monitoramento de locais de detenção, tais como o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O CPT, criado sob a “Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes”, em vigor desde 1989, tem mandato para conduzir visitas a  todos os 47 Estados-membros do Conselho da Europa. Delegações de membros e especialistas do CPT realizam visitas periódicas e ad hoc a locais de privação de liberdade e em seguida enviam seus relatórios ao Estado, com suas conclusões e recomendações. Também solicitam uma resposta do Estado, o que constitui a base para uma troca permanente. Embora nem sempre esses relatórios se tornem públicos, pode ser útil para os MNPs se envolverem com o CPT, inclusive compartilhando informações, relatórios, prioridades e recomendações. No início da visita ao país pelo CPT, também pode ser útil para o MNP reunir-se com a delegação para discutir prioridades. Adicionalmente, o CPT costuma convidar o MNP para sua reunião realizada com as autoridades ao término da visita para um balanço dos trabalhos. Caso o relatório do CPT seja público, pode ser útil para o MNP fazer referência às suas recomendações e conclusões em seus próprios relatórios, de modo a fortalecer seus argumentos junto às autoridades.

A CIDH é uma das instituições do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, juntamente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Dentre suas principais funções, a Comissão e suas relatorias temáticas lidam com petições individuais, monitoram a situação dos direitos humanos nos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos, inclusive por meio de visitas a países, publicam relatórios dos países e relatórios temáticos e contribuem para o desenvolvimento de standards direitos humanos, inclusive com relação à privação da liberdade.

Visitas a países feitas pela Comissão ou suas relatorias, tais como a Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade e para a Prevenção e Combate à Tortura, podem ajudar os MNPs a atraírem atenção para situações ou questões específicas. Concretamente, os MNPs podem:

  • prestar informações ao(s) Comissário(s) ou ao Relator antes, durante e após a visita, inclusive dando orientações a respeito de quais locais visitar e quem encontrar e compartilhando suas conclusões e recomendações;
  • emitir boletins de imprensa ou outras notas ; 
  • realizar visitas de acompanhamento a quaisquer locais de privação de liberdade visitados pela CIDH ou por suas relatorias, inclusive a fim de prevenir represálias; e
  • fazer referência às conclusões e recomendações da CIDH em relatórios futuros do MNP.

Outros meios de os MNPs interagirem com a CIDH incluem contribuições para relatórios temáticos ou para a elaboração de diretrizes  pela Comissão, participação em audiências dos países ou audiências temáticas e fornecimento de informações sobre questões específicas de grande relevância, além das visitas a países. A CIDH pode utilizar essas informações para fazer pronunciamentos públicos sobre a questão, dialogar com as autoridades nacionais pertinentes e até mesmo requerer a determinado Estado a adoção de medidas preventivas.

 

Redes de órgãos de monitoramento

Em razão de sua estrutura, muitos MNPs são membros de redes internacionais e regionais de órgãos de monitoramento, que incluem redes de INDHs, tais como a GANHRI (e suas redes regionais), redes de ouvidoria, tais como o IOI, e redes específicas de MNPs, tais como a rede dos MNPs do Sudeste da Europa.

Embora as redes sejam diferentes entre si, há alguns pontos em comum na forma pela qual podem ser parceiras úteis dos MNPs.

Treinamento e desenvolvimento de capacidades são um exemplo. Muitas redes oferecem treinamento em uma variedade de questões de interesse dos MNPs, incluindo desenvolvimento institucional e questões temáticas relacionadas a detenção. As redes de MNP também podem ser fontes importantes de aconselhamento e expertise, seja por meio de grupos informais de WhatsApp ou via Slack ou por meio de reuniões e trocas mais estruturadas.

Redes internacionais e regionais também já atuaram no passado contra represálias às suas instituições associadas. A GANHRI, por exemplo, rapidamente agiu para condenar ataques feitos à independência ou ao financiamento das INDHs a ela associadas. Ao chamar a atenção para essas instituições e trabalhar em conjunto com elas, os MNPs podem utilizar-se das redes para responder coletivamente a ameaças e ao mesmo tempo atrair o interesse da mídia e de outros mecanismos de direitos humanos.  

 

Tribunais regionais de direitos humanos.

Com relação a tribunais regionais, houve casos em que alguns MNPs europeus que também são INDHs prestaram informações ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e à Corte Interamericana de Direitos Humanos na qualidade de amicus curiae. Da mesma forma, muitos MNPs também acatam as decisões de tribunais regionais, como o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, e referem-se a suas decisões em seus relatórios, no que forem relevantes para as questões nacionais. 


Outros órgãos e processos

Interações nos âmbitos internacional e regional também podem ser úteis a longo prazo se os MNPs forem capazes de colaborar para o estabelecimento de parâmetros  – por exemplo, contribuindo com suas experiências nacionais em discussões envolvendo a atualização de documentos como as Regras de Nelson Mandela. Por vezes, práticas nacionais podem estar à frente dos parâmetros  regionais e internacionais, de modo que os MNPs podem ajudar a elevar o nível ao pôr essas práticas em evidência.

Outros organismos internacionais também podem ser úteis para os MNPs, em especial em locais onde existem  escritórios regionais e/ou nacionais. Escritórios regionais e/ou nacionais de instituições tais como UNICEF, UNDP e ACNUDH, por exemplo, podem ser fontes úteis de expertise e financiamento para MNPs. Muitos desses organismos podem também ser aliados fundamentais dos MNPs ao chamar a atenção das autoridades nacionais para certas questões relevantes.

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