Trabalhando com a sociedade civil

Quais organizações da sociedade civil são relevantes para o trabalho dos MNPs?

A sociedade civil compreende uma ampla variedade de atores, dentre os quais organizações e associações não governamentais, associações profissionais, sindicatos, o meio acadêmico e grupos de caráter religioso.

As organizações da sociedade civil (OSCs) são essenciais na prevenção da tortura. Elas trabalham em conjunto e em paralelo aos MNPs, cada qual com suas respectivas missões, métodos de trabalho e estratégias. Embora seja impossível elaborar uma lista exaustiva, no que toca à prevenção da tortura os seguintes tipos de organizações da sociedade civil podem ser especialmente relevantes: organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, inclusive aquelas que atuam em processos envolvendo tortura e assuntos correlatos; organizações que trabalham com grupos  em situações de vulnerabilidade; associações de familiares de pessoas presas, membros da comunidade acadêmica, sindicatos (por exemplo, de profissionais da saúde que atendem trabalhadores de unidades prisionais), organizações de pessoas privadas de liberdade ou egressos e associações profissionais, em especial de advogados e médicos, entre muitas outras.  

Por que os MNPs e a sociedade civil trabalham em conjunto?

Devido a suas  diferentes – e muitas vezes complementares – missões  e abordagens, MNPs e OSCs têm o potencial de trabalharem em conjunto e de forma eficaz na prevenção da tortura. Ao unirem forças e cooperarem entre si para alcançar seus respectivos objetivos, MNPs e OSCs podem maximizar seus recursos e o seu potencial de impacto.

O Protocolo Facultativo confere aos MNPs poderes especiais de acesso a locais de detenção, a pessoas e a informações. Também atribui às autoridades a obrigação de manter diálogo a respeito das recomendações do MNP. As OSCs, por sua vez, costumam ter grande presença no campo e obter informações em primeira mão, inclusive por meio de contato direto com pessoas privadas de liberdade ou seus familiares. Muitas conseguem também sensibilizar e mobilizar a opinião pública por meio de suas atividades de advocacy ou de campanhas. OSCs especializadas também têm amplo conhecimento e expertise nas suas áreas de trabalho específicas.

Os MNPs e as OSCs podem se ajudar mutuamente no fortalecimento de suas respectivas capacidades de promover mudanças na detenção, trocando informações, trabalhando em conjunto ou formando coalizões mais formais com relação a suas políticas e a seu trabalho de advocacy.

Os MNPs e as OSCs também podem desempenhar um papel importante no fortalecimento de seus respectivos mandatos. As OSCs costumam ser partesfundamentais das discussões domésticas a respeito dos  MNPs, desde seus estágios iniciais, quando podem se engajar em atividades de advocacy envolvendo a ratificação do Protocolo Facultativo e a designação ou o estabelecimento do MNP, papel esse que as Diretrizes do SPT para os MNPs consideram crucial.

Os MNPs também desempenham um papel importante ao garantir que os locais de privação de liberdade não sejam fechados para grupos ou mecanismos de acompanhamento das OSCs após o estabelecimento do MNP.

Em caso de represália contra MNPs ou OSCs, eles também podem ser aliados fundamentais, protegendo-se contra pressões ou interferências indevidas.

Como os MNPs e as organizações da sociedade civil podem trabalhar em conjunto?

MNPs e OSCs podem colaborar de diversas formas em seu trabalho conjunto, as quais não são mutuamente excludentes:

  • Troca de informações: De modo formal ou informal, regular ou pontual, dentro dos limites estabelecidos por cada parte, levando em consideração,para os MNPs, as exigências relativas ao sigilo previstas  no Protocolo Facultativo. Essa troca de informações pode ser importante para fortalecer a efetiva implementação dos mandatos dos MNPs. De fato, os MNPs frequentemente utilizam as informações prestadas pelas OSCs (dentre outras fontes essenciais) para planejar suas visitas estrategicamente, o que, inclusive, os ajuda a identificar os locais a serem visitados ou os assuntos a serem tratados com prioridade. As OSCs também podem ser capazes de fornecer aos MNPs informações úteis a respeito dos lugares a serem visitados. Os relatórios de visita dos MNPs também constituem uma contribuição de extrema importância feita pelos MNPs às OSCs atuantes na área abrangida  pelo relatório. Uma vez que os MNPs têm acesso a locais, informações e fontes aos quais as OSCs não têm acesso, relatórios de visita e os fatos concretos que apresentam são vitais para que muitas OSCs possam desenvolver de forma efetiva suas atividades de advocacy. Da mesma forma, caso os relatórios de visita dos MNPs forem mantidos sob sigilo e não forem publicados, isso pode desmotivar as OSCs a contribuírem para os MNPs com sua experiência e conhecimento, privando-os, assim, de uma ferramenta valiosa para o planejamento de visitas e a tomada de decisão sobre as questões a serem investigadas, dentre outros temas. Em outras palavras, relatórios de visita públicos podem ser “polinizadores cruzados” extremamente importantes tanto para MNPs quanto para OSCs.
  • Suporte mútuo às respectivas atividades e recomendações: As OSCs podem dar uma contribuição inestimável ao impulsionar as recomendações dos MNPs, defendendo-os e apoiando-os perante as autoridades, a mídia e o público em geral.
  • Fortalecimento de competências: Em diversas ocasiões anteriores, OSCs desempenharam um papel ativo no desenvolvimento das competências do MNP em seus países, em especial em seus estágios iniciais. MNPs podem se valer da expertise das OSCs com relação a processos institucionais (desde seleção dos membros do MNP até planejamento e comunicação) e a questões relevantes relacionadas a detenção e monitoramento da detenção. As OSCs também podem atuar apoiando a destinação de recursos adequados ao MNP, assim como na implementação das recomendações do SPT relativas ao MNP.
  • Cooperação em atividades específicas: Diversos MNPs cooperam com especialistas externos, inclusive membros de OSCs. Os MNPs e as OSCs também podem colaborar em projetos conjuntos ou com relação a visitas ou relatórios específicos. A cooperação pode incluir: advocacy junto a autoridades; sensibilização da mídia ou do público em geral; e treinamento e desenvolvimento de competências de partes envolvidas na questão da prevenção da tortura. Alguns MNPs colaboram com OSCs especializadas em prioridades temáticas, embora seja importante que os MNPs tenham o cuidado de manter sua independência.
  • Estabelecimento de uma colaboração institucional duradoura: OSCs podem fazer parte dos órgãos consultivos ou conselhos de MNPs, o que costuma envolver um papel na elaboração de políticas, mas que por vezes pode incluir, também, aconselhamento ou tomada de decisões sobre questões programáticas relacionadas à implementação do mandato do MNP.
  • Estabelecimento de uma parceria formal com o MNP:Modelos de MNP chamados de “ouvidoria plus” envolvem ouvidorias designadas de MNPs e que formalmente integram OSCs em seu trabalho, inclusive com atividades regulares de monitoramento.

 

Quais são algumas das considerações principais para MNPs e OSCs que trabalham em conjunto?

Para evitar mal-entendidos ou frustração com relação às respectivas competências e atribuições, é aconselhável que, antes de começarem a trabalhar, os MNPs e as OSCs formulem e estabeleçam em conjunto as expectativas, as possibilidades e os limites de sua cooperação ou parceria. Em alguns casos, os MNPs consideraram útil incluir os objetivos e as modalidades dessa cooperação em um Memorando de Entendimento formal. No entanto, é importante que o Memorando de Entendimento ou estrutura formal similar não restrinja a independência ou a flexibilidade do MNP.

A competência  conferida pelo Protocolo Facultativo é específica e exige que parceiros operacionais dos MNPs observem certas normas importantes para preservar a independência e a efetividade da instituição. Isso inclui respeito ao caráter sigiloso de dados aos quais os MNPs possam ter acesso por meio de seus amplos poderes conferidos pelo Protocolo Facultativo. Embora um especialista de determinada OSC possa acompanhar o MNP em uma visita específica ou para um projeto específico, isso normalmente requer a assinatura de um acordo de confidencialidade antes de se conceder acesso a informações sensíveis. De forma mais ampla, ao trabalhar com OSCs, os MNPs precisarão ter o cuidado de não compartilhar informações sensíveis às quais as OSCs não teriam acesso não fosse por esse trabalho. É da maior importância que isso seja esclarecido e acordado antes de qualquer forma de cooperação e, em especial, antes de quaisquer visitas a locais de privação de liberdade. Para evitar mal-entendidos ou problemas que possam vir a surgir, pode ser útil informar a OSC a respeito das obrigações e da responsabilidade do MNP de proteger informações sensíveis.

Visitas conjuntas de monitoramento, se realizadas, costumam ser o aspecto mais sensível e delicado da cooperação com OSCs. Nesses casos, recomenda-se que ambas as partes definam de antemão e de comum acordo os seus papéis, responsabilidades e abordagens durante a visita. Também precisarão definir de antemão as medidas que tomarão ao se deparar com  alguma violação grave de direitos humanos ou outras situações que demandem ação urgente. Outra questão fundamental é de que forma a OSC poderá utilizar as informações obtidas durante as visitas conjuntas, levando-se em consideração o ponto acima mencionado relacionado a informações sensíveis ou confidenciais e à responsabilidade que os MNPs têm de protegê-las.