Diálogo com autoridades

O que constitui o diálogo com autoridades?

Diálogo com autoridades é o coração da abordagem preventiva que sustenta o Protocolo Facultativo e o trabalho dos MNPs. Trata-se de um processo significativo e sustentado de interação com uma ampla variedade de autoridades, a fim de promover as mudanças desejadas. Consiste em  uma série de interações diretas por diversos meios, inclusive contato direto tais como reuniões com diretores de presídios ao final das visitas de monitoramento ou mesas redondas temáticas com as autoridades pertinentes. Diálogo não é um mero processo administrativo; vai além da simples troca de correspondência escrita, uma vez que depende de relacionamentos.

Diálogo com as autoridades exige que os MNPs desenvolvam relações de trabalho construtivas e colaborativas – porém de caráter crítico  – com as autoridades, baseadas em respeito mútuo e confiança. Isso pode envolver algum grau de sigilo com relação às informações compartilhadas entre os MNPs e as autoridades. No entanto, manter uma relação construtiva não é sinônimo de complacência. A esse respeito, é muito importante que os MNPs preservem sua independência ao dialogarem com as autoridades.

A experiência mostra que estabelecer e manter diálogo é algo que leva tempo. Assim sendo, é algo que os MNPs precisam considerar na sua estratégia e ao qual precisam dedicar tempo e recursos suficientes em seu planejamento.

 

Por que o diálogo com as autoridades é importante?

O Protocolo Facultativo confere uma obrigação específica às autoridades de dialogarem com os MNPs com relação às suas recomendações (Artigo 22). Embora o tratado não crie de forma clara uma obrigação equivalente para os MNPs, já se consagrou que o diálogo é o cerne de seu mandato preventivo, como também determinado pelo SPT, em sua Ferramenta analítica de avaliação para MNPs (CAT/OP/1/Rev.1, parágrafo 9(a)).

Diálogo com as autoridades pode servir a diferentes propósitos. É fundamental que se promova mudanças de longo prazo e sustentáveis, especialmente considerando-se que recomendações feitas pelos  MNPs não costumam ser de observância obrigatória pelas autoridades. A manutenção de um diálogo significativo e sustentado é ferramenta essencial para que os MNPs deem às autoridades explicações adicionais com relação aos problemas observados e às recomendações emitidas. Diálogo também é muito importante para que se compreenda o ponto de vista e os desafios enfrentados pelas autoridades na implementação das recomendações dos MNPs, para identificar boas práticas e para, a partir daí, discutir possíveis soluções para os problemas encontrados. Diálogo também cria um ambiente construtivo que ajuda a superar resistência e gerar mudança.

Além disso, o diálogo é fundamental para que as autoridades pertinentes conheçam a instituição e sua atuação. Permite que os MNPs construam sua legitimidade e se posicionem como instituição  de referência em questões relacionadas à privação da liberdade, podendo assim exercer influência e aumentar o impacto de suas recomendações.

O MNP também dialoga com as autoridades para garantir sua própria sustentabilidade ao longo do tempo; por exemplo, ao discutir e aprovar seu orçamento anual junto à autoridade competente. Diálogo também é útil – embora em alguns casos insuficiente – para superar obstáculos que os MNPs possam vir a encontrar na implementação de seu mandado, como, por exemplo, ao lhes ser negado acesso a um local de detenção específico.

 

Com quais autoridades os MNPs mantêm diálogo?

A abordagem holística dos MNPs requer a identificação das potenciais  causas-raízes dos problemas encontrados, assim como dos riscos que aumentam a possibilidade de ocorrência de tortura e de outras formas de maus tratos. Assim sendo, os MNPs devem avaliar não apenas as condições e o funcionamento dos locais de detenção, como também os arcabouços regulatório, institucional, político e jurídico.  

É por esse motivo que os MNPs precisam interagir com uma pluralidade  de autoridades, de diferentes níveis:

  • autoridades responsáveis pela gestão de locais de detenção, tais como diretores de presídios, diretores de instituições psiquiátricas;
  • funcionários de locais de privação de liberdade, tais como agentes penitenciários, enfermeiros, assistentes sociais, policiais e agentes de imigração;
  • Ministérios de Estado e autoridades com posição de supervisão em locais de privação de liberdade ou serviços prestados nesses locais, tais como o Ministério do Interior, o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde, o Serviço de Imigração e o Serviço Penitenciário. Nessas instituições, é importante que os MNPs se envolvam nos níveis tanto político/de alto escalão quanto técnico, em áreas específicas relevantes para seu trabalho;
  • outros Ministérios ou agências ou órgãos especializados do Poder Executivo, tais como o Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria da Mulher.

É recomendável que, ao darem início a suas atividades, os MNPs mapeiem as instituições – e as áreas de cada instituição – relevantes para seu trabalho e tenham com elas uma primeira reunião para, dentre outros assuntos, explicar seu mandato. Pode ser necessário, também, que os MNPs revisem e atualizem com regularidade esse mapeamento institucional. O mapeamento das instituições relevantes permite que os MNPs melhor direcionem seu diálogo e conduzam suas interações de forma estratégica. Uma ferramenta útil e prática para tanto é o mapeamento de atores relevantes. .

Embora seus principais interlocutores sejam autoridades do Executivo, os MNPs também interagem com membros do Legislativo e do Judiciário, tais como juízes e defensores públicos. Algumas recomendações dos MNPs podem ser direcionadas a esses atores, mas, de forma geral, a manutenção de diálogo com eles é de grande importância para desenvolver uma colaboração, como, por exemplo, para que as recomendações feitas pelo MNP sejam implementadas pelo Executivo.

 

Quando os MNPs iniciam o diálogo com as autoridades?

Os MNPs podem iniciar o diálogo com as autoridades em momentos distintos, com relação a visitas a locais de detenção ou outros temas, dependendo do objetivo específico do diálogo.

Diálogo relacionado a visitas a locais de privação de liberdade podem ocorrer em estágios diferentes. O momento em que ocorrerão e o processo que observarão são cruciais para que se mantenha uma relação sustentada e construtiva com as autoridades e garantir que as recomendações sejam efetivamente implementadas.

O diálogo entre o MNP e as autoridades se inicia desde  antes das visitas de  monitoramento do MNP aos locais de privação de liberdade, a fim de explicar sua competência  e informar as autoridades a respeito de sua obrigação de dar acesso irrestrito ao MNP a tais locais. A experiência dos MNPs mostra que dedicar tempo a explicar seu mandato às autoridades em um estágio inicial pode evitar problemas durante as visitas.

Durante a visita, o MNP dialoga tanto com as autoridades responsáveis pela administração do local quanto com os trabalhadores desse local. É importante que os MNPs dediquem tempo suficiente à visita, de modo a desenvolver uma relação positiva com as autoridades desde o início da visita e, assim, garantir que compreendam de forma clara a metodologia e os objetivos da visita. Ao mesmo tempo, os MNPs devem manter sua independência e transmitir autoridade e profissionalismo, a fim de garantir a observância das autoridades. Para tanto, é importante que os MNPs sigam os princípios fundamentais para o monitoramento dos locais de detenção, o que inclui respeito às autoridades responsáveis pelo local e aos respectivos trabalhadores, agindo de forma precisa e objetiva e se comportando com integridade.

Após a visita de monitoramento, muitos MNPs enviam às autoridades, sob sigilo, a minuta do relatório da visita e de suas recomendações. Isso permite que o MNP receba antecipadamente os comentários da autoridade e, eventualmente, corrija possíveis erros quanto aos fatos.  Vale notar que essa prática não significa que as autoridades exercerão influência sobre o conteúdo do relatório: trata-se de informações a respeito dos fatos que possam ser retificadas, tais como o número total de detentos em determinado local. Essas informações não são resultado da análise e das verificações do MNP, mas sim dados objetivos comunicados ao MNP pelas próprias autoridades.Alguns MNPs também têm interações presenciais com as autoridades para discutir verbalmente as minutas dos relatórios e as recomendações, de modo a promover transparência, encorajar uma relação construtiva e aumentar a possibilidade de que as recomendações sejam implementadas. Uma vez que o relatório final seja compartilhado com as autoridades e publicado, os MNPs envolvem-se em um processo sustentado de diálogo para acompanhamento e garantia da implementação de suas recomendações. Na prática, isso significa não apenas valer-se de comunicações por escrito, tais como e-mails ou correspondência oficial, como também – e sobretudo – realizar reuniões presenciais ou on-line e manter interações informais, como, por exemplo, por telefone ou WhatsApp, para estabelecer uma relação de confiança.

Os MNPs também têm interações diretas com as autoridades independentemente de suas recomendações decorrentes de visitas a locais de detenção, para, por exemplo, discutir questões temáticas relevantes ou defender a implementação de mudanças legais ou nas políticas. Além disso, os MNPs são consultados com regularidade pelas autoridades a respeito de questões específicas e lhes prestam assessoria especializada.

Como o diálogo funciona na prática?

O diálogo pode ocorrer de diversas formas. Os MNPs podem tanto travar um diálogo bilateral com uma instituição de cada vez como dialogar com diversas instituições simultaneamente. Por exemplo, alguns MNPs promovem mesas redondas institucionais para discutir questões específicas que envolvem diferentes autoridades. Em alguns países, houve ocasiões em que MNPs conduziram uma série de reuniões com a polícia, o Ministério da Saúde e membros do Judiciário para promover a implementação de garantias relacionadas à detenção. Os MNPs também organizam discussões com as autoridades a respeito de suas minutas de recomendações, a fim de garantir adesão desde seus estágios iniciais. Alguns MNPs promovem reuniões anuais com as autoridades – por exemplo, com os pontos focais do Protocolo Facultativo de cada instituição pertinente – para avaliar a implementação de suas recomendações e verificar o que foi ou não feito e por quê. Abordagem holística, autoridade e independência põem o MNP em uma posição privilegiada para suprir a falta de diálogo tanto entre diferentes autoridades quanto entre autoridades e membros da sociedade civil.

Para que o diálogo seja significativo e eficaz, é essencial que os MNPs dirijam-se às instituições relevantes e às pessoas-chave dentro dessas instituições. Também é importante que interajam com regularidade ao longo do tempo. Uma boa prática é ter pessoas de contato designadas dentro dos Ministérios e de outras instituições relevantes, com quem os MNPs possam ter trocas mais informais e regulares.

Muitos MNPs pedem respostas por escrito das autoridades a respeito da implementação de suas recomendações, e muitas vezes com um prazo para resposta. Além da troca escrita e formal, é altamente recomendável realizar reuniões presenciais a portas fechadas com as autoridades, assim como manter trocas informais por telefone ou outros meios (WhatsApp, por exemplo) para desenvolver uma relação de confiança, superar resistências, entender as restrições e questionar as autoridades e, finalmente, chegar a acordos.

Dependendo do MNP, podem ser atribuídas diferentes responsabilidades aos líderes, membros e funcionários da instituição no que toca ao diálogo com as autoridades. Isso pode depender, também, do formato e do conteúdo do diálogo – por exemplo, se envolve autoridades de alto escalão ou pessoal técnico. Embora não haja um único modelo aplicável a todos os MNPs, é importante que estes definam claramente e de antemão as responsabilidades dos membros de suas equipes com relação ao diálogo com as autoridades. 

 

Quais são os limites do diálogo?

O diálogo  deve ser o princípio norteador de todas as atividades desempenhadas pelo MNP. No entanto, pode sofrer algumas limitações.

Diálogo requer boa vontade e inclusão de ambas as partes. Um envolvimento genuíno e significativo somente é possível se houver confiança e respeito entre o MNP e as autoridades e se o MNP preservar sua independência. É importante que o MNP não deixe que apenas as autoridades ditem os termos que nortearão o diálogo.

Em algumas circunstâncias, os MNPs podem precisar impor limites no diálogo com as autoridades e adotar uma abordagem diferente. Por exemplo, pode ser útil procurar também a mídia ou mobilizar outros atores internacionais ou nacionais quando uma questão urgente e grave for revelada ou quando as autoridades não permanecerem envolvidas ao longo do tempo.Mesmo nesses casos, é importante que os MNPs tentem manter alguma forma de interação com as autoridades, uma vez que são elas quem têm a responsabilidade de produzir mudança.