Recomendações e estratégias de acompanhamento

O que são recomendações dos MNPs?

Recomendações são propostas sobre o melhor curso de ação que uma instituição (ou múltiplas instituições) devem adotar para atingir uma mudança positiva em normas, práticas ou políticas. Os MNPs recebem esta atribuição a partir do artigo 19 do Protocolo Facultativo. Fazer recomendações é um dos componentes  principais do seu trabalho.

As recomendações feitas pelos MNPs são geralmente diferentes daquelas feitas por outros órgãos de supervisão. Seu objetivo é lidar com fatores de risco ou causas estruturais que levam à  tortura, maus-tratos e outras violações de direitos humanos, de forma a evitar que ocorram (ou se repitam no futuro). Isso inclui focar nas questões sistêmicas, e não apenas em casos individuais. Elas são baseadas em evidências e análises, e geralmente são posteriores a uma visita (ou a uma série de visitas) a um local de privação de liberdade. Elas são um elemento de um processo construtivo e baseado no diálogo que visa  resolver problemas para que não ocorram novamente no futuro. Dessa forma, recomendações são uma das principais ferramentas disponíveis para os MNPs na tentativa de gerar mudanças.

A força das recomendações do MNP é tal que o Protocolo Facultativo impõe às autoridades uma obrigação (no artigo 22) de “examinar as recomendações do mecanismo preventivo nacional e com ele engajar-se em diálogo sobre possíveis medidas de implementação”. Algumas leis relativas aos MNPs também estabelecem um dever de o Estado responder às recomendações do MNP  dentro de um determinado prazo.

Que tipos de recomendações são feitas pelos MNPs?

As recomendações dos MNPs podem se relacionar a todos os aspectos da privação de liberdade, incluindo os locais de detenção, sua gestão e funcionamento; políticas públicas relacionadas à detenção; o marco normativo relevante; estruturas institucionais mais amplas (como a força policial como um todo).

A forma e o conteúdo das recomendações depende do seu público-alvo, seus objetivos e o tipo de situação a que se relacionam. As recomendações podem estar relacionadas a problemas que podem ser resolvidos no curto, médio ou longo prazo. As recomendações também podem lidar tanto com questões complexas e sistemáticas, quanto com temas específicos. MNPs podem decidir focar suas recomendações em prioridades específicas ou questões temáticas, como condições materiais, procedimentos e políticas, leis e regulamentações, assim como situações específicas e grupos em risco. Um problema não precisa atingir um determinado nível de gravidade antes de um MNP decidir torná-lo objeto de uma recomendação; na verdade, recomendações podem muitas vezes visar à solução de questões aparentemente pequenas antes que elas se transformem em grandes problemas. Em geral, MNPs costumam fazer os seguintes tipos de recomendações:

Recomendações posteriores a uma visita. Esse tipo de recomendação se relaciona aos principais achados após uma visita a um lugar específico e geralmente estão incluídas no relatório da visita. Tais recomendações costumam se referir a apenas um estabelecimento.

Recomendações temáticas. Elas geralmente são posteriores a uma série de visitas relacionadas a um tema específico (como o uso de mecanismos de contenção) ou a uma série de estabelecimentos semelhantes (por exemplo, as recomendações podem ser o resultado de uma série de visitas a centros de detenção de migrantes). Como tal, elas geralmente dizem  respeito a leis, práticas e políticas que são relevantes para vários locais detenção. Geralmente tais recomendações estarão em um relatório temático específico e/ou no relatório anual.

Recomendações urgentes. Elas normalmente se relacionam a uma violação grave de direitos fundamentais e são um modo de o MNP notificar rapidamente as autoridades e conceder-lhes um prazo definido para corrigir a situação

Recomendações no relatório anual. Esse tipo de recomendação é normalmente mais geral do que aquelas feitas em relatórios de visitas e normalmente se refere a questões amplas e sistemáticas de particular importância. Por conta da maior publicidade em torno do relatório anual, assim como do fato de que as autoridades nacionais têm uma obrigação de considerar a implementação de recomendações nele contidas, os MNPs costumam usar esses relatórios como uma plataforma para chamar atenção para as recomendações que são particularmente prioritárias.

Além de incluir recomendações em seus relatórios, os MNPs também podem fazer por escrito “observações preliminares” dirigidas às autoridades, geralmente ao fim de uma visita, durante a conversa  final com o diretor do estabelecimento. Essa é uma forma útil de destacar os problemas mais urgentes identificados durante uma visita, e que podem ser mais adequadamente tratados depois de uma análise completa da informação coletada durante a visita e da redação de um relatório.

O que torna uma recomendação boa?

Boas recomendações são extraídas de relatórios, que tenham sido  baseados em evidências verossímeis, trianguladas entre várias fontes e a partir de análises sólidas. Recomendações são, portanto, parte de um processo, exigindo tempo e recursos significativos, que inclui a visita, o relatório e também o acompanhamento. O envolvimento nesse processo permite que os MNPs identifiquem fatores de risco e causas estruturais dos problemas observados  (que geralmente vão além do espaço de detenção específico que foi visitado). Também lhes permite fazer recomendações que abordem leis, práticas e políticas que melhor podem enfrentar a situação. Assim como nos relatórios, é importante que quem redige as recomendações também faça parte da equipe de visita.

A APT desenvolveu o chamado “modelo Duplo-SMART” para a redação das recomendações. Esse modelo, apresentado abaixo, define critérios que podem ser sistematicamente aplicados para fazer recomendações o mais efetivas e úteis quanto possível. O modelo  “Duplo-SMART” propõe os seguintes critérios para a formulação de recomendações:

  • Específica (Specific)
  • Mensurável (Measurable)
  • Alcançável (Achievable)
  • Orientada a resultados (Results-oriented)
  • Com prazos determinados (Time-bound)

+

  • Com sugestão de soluções (Solution-suggestive)
  • Consciente da priorização, sequenciamento e riscos (Mindful of prioritisation, sequencing & risks)
  • Baseado em argumentação  (Argued)
  • Focada nas  causas estruturais (Root-cause responsive)
  • Direcionada (Targeted)

Na prática, pode não ser necessário redigir recomendações que atendam todos os dez critérios. Ainda assim, eles servem como um guia importante para a análise coletiva ou individual, e para a revisão de propostas de recomendações antes da publicação, bem como para a discussão com autoridades. Recomendações bem redigidas tornam o trabalho das autoridades na implementação mais fácil e também facilitam o acompanhamento, pois não exigem indicadores adicionais para que o progresso seja medido.

Por que é importante ter uma estratégia de acompanhamento das recomendações do MNP?

Recomendações são uma das ferramentas mais importantes que os MNPs têm para efetuar mudanças, mas as recomendações por si só não são suficientes para que a mudança desejada ocorra, principalmente porque as recomendações feitas pelos MNPs não são vinculantes para as autoridades. É por isso que as recomendações precisam fazer parte de um ciclo geral de monitoramento, que inclui: planejamento, coleta e análise de informação (geralmente por meio de visitas), relatórios e recomendações, e acompanhamento, inclusive por meio do diálogo com as autoridades.

Isso também está intimamente ligado à necessidade de os MNPs pensarem estrategicamente sobre as mudanças que desejam ver e as diferentes estratégias e ações que podem adotar para garantir que essas mudanças aconteçam.

O acompanhamento também ajuda os MNPs a mensurar o progresso ao longo do tempo, tanto dentro das instituições específicas, quanto em leis, políticas e práticas relacionadas. Se as recomendações forem bem elaboradas, sua implementação também é mais fácil de ser mensurada e os indicadores para medir o progresso, são mais fáceis de serem desenvolvidos, permitindo que os MNPs possam mais facilmente observar se as mudanças solicitadas ocorreram.

Manter o controle das recomendações também é importante para o processo de planejamento dos MNPs. A análise de quais recomendações foram implementadas e quais estratégias foram usadas pode ajudar os MNPs a identificar futuras prioridades, assim como as abordagens que obtiveram  maior sucesso.

Como os MNPs podem acompanhar o cumprimento das recomendações?

Objetividade, precisão e boa análise são a base de um bom relacionamento com as autoridades. Embora seja improvável que as autoridades sempre concordem com o conteúdo das recomendações, elas nunca devem poder questionar sua precisão ou a sua base factual ou normativa.

O acompanhamento eficaz é baseado no diálogo com as autoridades. Esse diálogo ocorre em vários estágios diferentes. Durante a fase de redação, muitos MNPs enviam relatórios preliminares e recomendações às autoridades, a fim de receber feedback, permitir correções (apenas de erros factuais) e garantir que as autoridades estejam preparadas para colocá-las em prática.

Alguns MNPs também organizam discussões presenciais com as autoridades sobre seus projetos de recomendações, a fim de garantir a adesão em um estágio inicial, inclusive entre os diretores de instituições específicas. Encontros fechados com mesas redondas para discutir questões temáticas (incluindo relatórios e recomendações) com as autoridades podem torná-las melhores e mais específicas, além de aumentar a probabilidade de sua implementação. Seja durante essas discussões ou após a publicação, alguns MNPs pedem às autoridades que proponham um cronograma para a implementação, o que pode dar uma base para o acompanhamento. Em alguns contextos, o prazo para a resposta das autoridades está previsto em lei.

Após a publicação dos relatórios e recomendações, alguns MNPs também retornam aos locais mencionados, a fim de apresentá-los à administração e aos funcionários e funcionárias da  unidade , para garantir que compreendam seu conteúdo e para responder a quaisquer perguntas que possam ter sobre recomendações específicas.

Muitos MNPs também solicitam às autoridades que reportem a eles o progresso na implementação de diferentes recomendações e alguns ainda acordam um plano de implementação. Também é importante, no entanto, que os MNPs realizem visitas de acompanhamento para conferir a implementação na prática.

Essa prática visa  garantir que as recomendações tenham sido implementadas corretamente, bem como para garantir que elas estejam tendo o efeito desejado nas condições ou no tratamento das pessoas privadas de liberdade. Encontros formais e intercâmbios também são complementados por muitos MNPs com interlocução  entre o MNP e pontos focais dos diferentes atores e de outros tomadores de decisão. Alguns MNPs consideraram que o nível ideal para esse tipo de relacionamento é “próximo, mas não próximo demais”. Em outras palavras, próximo o suficiente para ter um bom relacionamento de trabalho, mas sem ferir  a independência do MNP.

Alguns MNPs também usam outros órgãos governamentais de monitoramento e fiscalização (sejam eles externos ou internos) no acompanhamento das recomendações. Ao apontar para tais órgãos como parte do processo de acompanhamento das recomendações, alguns MNPs os ajudaram a ajustar suas próprias inspeções e metodologias para abranger o risco de maus-tratos, ou mesmo a olhar para uma recomendação feita para uma instituição ou a todo um segmento.

O que os MNPs podem fazer para superar obstáculos na implementação das suas recomendações?

Os MNPs geralmente não emitem recomendações vinculantes. Alguns deles – geralmente comissões de direitos humanos ou ouvidorias – têm esse poder, mas, mesmo quando o têm, raramente o usam. Isso ocorre porque o diálogo e a persuasão são quase sempre mais efetivos – em parte porque, embora possa ser possível obrigar uma autoridade relutante a implementar uma recomendação, é muito menos provável que a mudança desejada seja alcançada do que se ela entender e se dedicar a alcançar o resultado.

Os MNPs têm, então, diversas opções caso suas recomendações não sejam implementadas. A primeira é descobrir o porquê, algo que dependerá muito, por exemplo, de acordo com a recomendação se relacionar a problemas de curto, médio ou longo prazo; ou a questões sistemáticas ou específicas; ou ao tópico da recomendação. Será muito mais fácil para um MNP entender por que não foi implementada uma recomendação específica sobre um simples procedimento, de curto prazo, do que uma recomendação relativa a um problema complexo, sistemático, que exige ações a longo prazo para ser solucionado.

Perguntais centrais a serem feitas, no entanto, podem incluir: as autoridades entendem completamente a recomendação e o que ela está tentando alcançar? Existe um problema de orçamento impedindo a implementação? Ou há resistência de um indivíduo ou instituição específica impedindo a implementação? Depois que um MNP entende por que uma recomendação não foi implementada, uma estratégia apropriada pode ser desenvolvida. Isso pode incluir a explicação ou a reformulação de recomendações que não estejam claras, a realização de ações de incidência  e convencimento com autoridades específicas, incluindo o Parlamento, ou reuniões  com indivíduos e instituições importantes para entender e superar sua resistência. Alguns MNPs também usam a mídia para ajudar a exercer pressão sobre as autoridades, principalmente quando outros métodos de persuasão falharam.

Analisar sistematicamente todas as diferentes organizações e indivíduos que podem ser relevantes para a implementação de uma recomendação também é uma maneira útil de superar obstáculos. Um elemento-chave desse tipo de “análise de partes interessadas” é pensar nos diferentes níveis de poder e interesse que diferentes instituições e indivíduos podem ter em relação a uma recomendação ou prioridade específica. Isso pode ajudar os MNPs a identificar quais atores podem precisar de mais persuasão (por exemplo, aqueles que têm poder, mas pouco interesse no tema – talvez incluindo parlamentares, ministros relevantes ou a mídia), bem como quais atores podem formar uma boa coalizão ou parceria para ações de defesa de determinada mudança (por exemplo, aqueles que têm muito interesse, mas pouco poder quando agem sozinhos – talvez incluindo ONGs ou famílias de vítimas)

Como sistematizar e acompanhar as recomendações ao longo do tempo?

Muitos MNPs usam ferramentas para monitorar as recomendações que fizeram e seu grau de implementação. A prática entre os MNPs varia, com alguns usando bancos de dados e outros, planilhas simples. Qualquer que seja a ferramenta escolhida, no entanto, ela precisa ser adaptada às necessidades e capacidades do MNP. Antes de desenvolver tal ferramenta, os MNPs devem considerar o tipo de informação que precisam monitorar e o objetivo geral da ferramenta. Ao desenvolver uma ferramenta para registrar suas recomendações e monitorar sua implementação, os MNPs podem querer registrar algumas ou todas as informações factuais e analíticas a seguir:

Detalhes factuais

  • A data em que as recomendações foram feitas (e se é uma recomendação repetida)
  • O local ao qual se relacionam
  • O tipo de local
  • A autoridade para a qual foram feitas
  • O relatório específico em que foram feitas, com link para o documento completo
  • O tema geral ou a área do problema
  • Se estão relacionadas a um grupo vulnerável específico ou a prática de detenção
  • Quaisquer respostas das autoridades e/ou prazo acordado de implementação
  • Membros da equipe envolvidos na visita/redação da recomendação

Informações analíticas

  • Se a recomendação foi aceita pelas autoridades
  • Se a recomendação foi implementada (e verificada pelo MNP)
  • Se a recomendação não foi implementada (e por quê)

Informações sobre temas e palavras-chave que relacionam as recomendações a questões e grupos transversais podem permitir que os MNPs analisem seus bancos de dados (geralmente muito grandes) de recomendações e identifiquem temas e tendências que mudam ao longo do tempo ou se relacionam com mais de uma instituição. Isso pode ser útil para a memória institucional, assim como para os processos regulares de planejamento estratégico e operacional de um MNP.

Sistematizar e acompanhar as recomendações também é importante para permitir que os MNPs meçam seu próprio progresso, ajudando-os a entender onde e quando foram mais eficazes, e ajudando a equipe a permanecer motivada ao longo do tempo.